De forma sorrateira, aproveitando as distrações, preocupações, e um certo desnorteamento em relação ao tempo que a Covid alimenta, aí está a Quaresma, esse tempo favorável, esse tempo de preparação para a Páscoa.
No Evangelho do 1.º Domingo quaresmal, encontramos Jesus a contas com as tentações tipificadas como as três grandes tentações do homem. Imaginemo-l’O, então, na Sua Pessoa muito pobre, com fome e com sede, andrajoso, a sair daquele retiro de quarenta dias, retiro voluntário, na aceitação plena da Vontade de Deus, Seu Pai. Mas o que tem de especial o deserto na preparação da Sua vida pública de anúncio de Deus como Misericórdia? Assumindo a condição de homem, na Sua incarnação, Jesus não o faz senão na forma mais profunda. Para isso quer percebê-lo nas suas fragilidades, na sua inclinação para o mal nos seus desejos e ações, na sua incapacidade de auto redenção; quis percebê-lo também na origem dos seus gestos de bondade e de amor, nas resistências às tentações do egoísmo e do domínio orgulhoso do poder mal gerido e da autoridade que escraviza. Para essa perceção não bastava apresentar-se diante dos homens e observá-los de fora. Tinha que incarnar as suas vidas e, quando os percebesse bem, saberia que incarnava todos os homens e o homem todo. Tinha de encontrar-se com tudo isso na Sua pessoa.
O deserto é o lugar das ausências do que não é importante. Lá só se encontra o essencial e, por isso, proporciona encontros de qualidade: consigo próprio, na nudez original que nos acompanha desde a rebeldia do Paraíso; com o próprio Deus, que continua a chamar-nos para nos comunicar a Sua Misericórdia. O deserto é duro e agreste e o desconforto é total quer no corpo, quer na alma. Os sons da agitação do mundo não chegam ali, mas o silêncio causa medos que nos fazem enconchar em nós ou lançar-nos nos braços de Deus. Jesus usou estas duas alternativas em simultâneo. Perscrutou as suas entranhas, os meandros da Sua alma com a luz e a força de Deus Seu Pai. Sentiu na alma as lutas ferozes do bem e do mal, as mesmas que cada um de nós sente, mas o Pai estava com Ele e venceu-as com uma oração confiante e com um jejum oblativo. Nessa luta de soldado aguerrido foi vencedor. Vencedor no egoísmo de uma autodefesa insensata e mesquinha que faz de cada um de nós o centro do mundo com pensamentos pequenos e interesseiros; vencedor de desejos e tentações de deslumbramento perante os outros como se isso acrescentasse alguma coisa à realidade limitada do que somos; vencedor das tentações de ambições de autoridade e domínio, ambiciosos de posses e de poderes que subjugam o mundo em que vivemos num desesperado acrescento à radical limitação, causada pela nossa incapacidade e finitude.
No silêncio e na oração Jesus foi capaz de esquadrinhar o coração humano e já tinha uma resposta para cada um. Cada Palavra e cada gesto de misericórdia levariam a cada ouvinte uma resposta esperada. Saiu do deserto e foi procurar os seus irmãos. Tinha uma mensagem muito linda a comunicar-lhes: O nosso Deus é Amor misericordioso. Acreditai nesta Boa Nova.
DNFS | Joaquim Taveira da Fonseca