Uma noite, há uns anos atrás, fazia a estrada de Coimbra ao Estoril, pela EN1. Numa reta muito comprida por alturas de Soure, fui mandado parar pela GNR, pois, supostamente tinha feito uma ultrapassagem indevida. Encostei e, cortesmente, respondi ao senhor agente da autoridade que não me parecia ter infringido o que quer que fosse, pois a viatura que vinha de frente estava ainda muito longe. De repente, o senhor agente pergunta-me: “O senhor está bem?” Respondi que sim, admirado! ”Não! O senhor tem muita tristeza no rosto e ele é o espelho do coração. Que é que tem? Seriam já umas 22.00 h e estava escuro. Como teria ele dado conta do meu estado de espírito? E, então contei-lhe que tinha vindo duma povoação perto da Curia, do funeral de um jovem muito amigo que se tinha suicidado e que me custava aceitar essa situação. De frente para mim, aquele senhor agente começou a falar-me como se sempre tivéssemos sido grandes amigos. Disse-me palavras certas, oportunas, de compreensão e estímulo que eu, sendo sacerdote (ele nunca o soube) não saberia dizer. Durante cerca de meia hora dialoguei com ele, acolhendo atento e em silêncio o que ele me dizia. E uma paz enorme me invadiu. Depois, entregou-me os documentos e desejou-me boa viagem. “Vá devagar, olhe que a sua vida é muito importante e a dos demais, também.” Agradeci reconhecido!
Este é um facto real, que nos pode ensinar que o diálogo nos faz crescer. Quando pensamos no diálogo pensamos em duas pessoas a falar uma com a outra, usando palavras para trocar opiniões, ideias, expressar argumentos. etc. O diálogo nem sempre tem palavras e os intervenientes nem sempre são pessoas. O ser humano tem necessidade de comunicar, de expressar-se, de expandir-se numa relação com o humano e, sobretudo com o divino. O ser humano é um ser em relação, não uma ilha, não uma árvore a quem cortaram todas as raízes. E o fundamento da relação é o diálogo. O que é a oração senão um diálogo com Deus? Diante d’Ele expressamos o nosso louvor ou o nosso pedido, ou simplesmente O ouvimos falar ao nosso coração. O que é o amor senão um diálogo na expressão sincera dos sentimentos ou no silêncio dos olhares recíprocos? O que é o escutar quem nos fala, desabafa os segredos do coração e nós o ouvimos num silêncio que o acolhe com toda a tenção senão um diálogo sublime? O que é o consolar, com ou sem palavras, senão um diálogo de amor e fraternidade? O que é o contemplar as maravilhas da Natureza, a beleza interior e exterior das pessoas, senão um dialogo de louvor a Deus, criador da beleza? O que é o sofrer com uma Natureza destruída pela maldade das pessoas, ou com as pessoas com o coração cheio de ódio, sem sentimentos e com a vida destruída por isso mesmo, senão uma prece ao Senhor que tudo pode redimir? O diálogo é o contrário do egoísmo, do egocentrismo, do narcisismo que apoucam ou mesmo matam quem os possui.
Comecei estas considerações com um episódio que parecia nada ter a haver com o que se poderia dizer do diálogo. Aquele agente de autoridade soube ler a dor através de um rosto triste e não se desinteressou dela, procurou dar-lhe remédio, estabelecendo diálogo com o meu silêncio atento. Já lá vão mais de vinte anos. Espero jamais esquecer o episódio. Gostava de rever esse senhor que me fez compreender que Deus dialoga connosco, em cada momento, por intermédio dos mais inesperados mensageiros. Aprendi nessa noite que a minha vida cristã e sacerdotal deve ser um constante diálogo de amor com os meus irmãos. Só assim poderei crescer como cristão e como pessoa. Só assim ajudarei a crescer aqueles que Deus colocar no meu caminho.
Pe. Joaquim Taveira da Fonseca | DNFS