São 11.30h desta manhã de quinta feira, dia 26 de Outubro. Um simpático aluno escolheu fazer uma entrevista. Queria fazer-me umas perguntas e acedi a responder. Coisas simples, mas salesianas. A certa altura interpela: Qual foi a Casa salesiana por onde passou que mais o marcou? Não hesitei um instante na resposta:” Foi a Escola Profissional de Santa Clara, em Vila do Conde”. Fixou-me, calado, e eu não falei também, durantes longos instantes, porque me quedei na contemplação de um tempo tão grato e tão feliz para mim. Depois expliquei-lhe a razão da minha escolha, razão que partilho convosco, caros leitores.
“Andava pelos 21 anos de idade e fazia o meu tirocínio prático nesta Casa de Vila do Conde, então dirigida pelos salesianos. Fui assistente do grupo dos maiores, professor de canto e banda de música e também de Matemática. E os alunos? Rapazes vindos das tutorias, com processo de tribunal, filhos de famílias muito pobres, oriundas de ruas escuras do Porto, de Coimbra, de Lisboa e outras cidades. As famílias eram desestruturadas e eles começaram a conhecer a realidade do crime a partir do fim da sua infância. Na Correcção, como as pessoas chamavam à Escola Profissional de Santa Clara, havia rapazes cuja idade se enquadrava entre os 9 e os 20 anos. Estudavam, aprendiam uma arte: sapateiro, marceneiro, artes gráficas. Alguns tinham grandes dificuldades de aprendizagens intelectuais, mas grande apetência pelas artes manuais. Grandes qualidades para o desporto e para a música, por isso a Escola de Santa Clara tinha uma grande equipa de futebol e uma belíssima Banda de Música que tocava em procissões, arraiais e em touradas. Dir-se-ia que a par de uma grande pobreza material existia uma grande riqueza de qualidades artísticas.
Era extraordinário o sentido de justiça que tinham aqueles rapazes! Lidar com eles era uma constante aprendizagem de equilíbrio nos julgamentos, de procurar encontrar o equilíbrio nas decisões, de buscar mais o diálogo que o castigo pela falta cometida. Eram seres humanos feridos na alma, alguns dos quais nunca ou quase nunca tinham recebido um gesto de carinho familiar. Pretender entrar nas suas almas era buscar com muito cuidado e delicadeza os caminhos para lá chegar. Com eles se aprendia que só com o amor se ganha a confiança de alguém. Com os meus 21 anos inexperientes ouvi tantas confissões tão dolorosas como verdadeiras. Fazia o que podia, depois de receber a recusa do conselho que lhes dava de procurarem pessoa mais sábia para os ouvir. Aos poucos foi-me dando conta de que não era mais o superior que exige o cumprimento das normas e dos deveres, mas o irmão um pouco mais velho em quem se confia.
Disseram-me, um dia, que os salesianos não eram para esse tipo de rapazes. Pareceu-me a afirmação mais insensata que até ali tinha ouvido na vida salesiana. Então, se não eram aqueles, quais eram os rapazes pobres do carisma salesiano? Aqueles eram os mais pobres dos pobres. Tenho a certeza de que D. Bosco os iria procurar! Mas, de uma coisa tenho a absoluta certeza: nunca me senti tão salesiano como naquela altura e com aqueles meus irmãos tão pobres! E tenho ainda mais a certeza de que foi a eles que anunciei Jesus e a grande maior parte deles O aceitou no seu pequeno coração. E tenho ainda mais uma outra certeza: ganhei muito com eles, pois cresci como pessoa, como cristão e como salesiano”.
P. Joaquim Taveira da Fonseca
DNFS